A geografia não morreu, por sinal, goza de boa saúde e retorna como preocupação acadêmica de estudos e cotidiana, na vida de todos nós
A geografia acabou. A geografia está morta. O espaço já não é mais uma preocupação, uma questão a ser resolvida. Com as tecnologias de comunicação, as fronteiras geográficas não existem mais. Esses eram os prognósticos e futurologias de alguns teóricos, cientistas e jornalistas, a partir dos anos 1990.
Mas isso não se comprovou e tampouco se efetivou. A geografia não morreu, por sinal, goza de boa saúde e retorna como preocupação acadêmica de estudos e cotidiana, na vida de todos nós.
No último mês de março, o Jornal The Economist publica o artigo The Internet. The revenge of geography (Internet. A vingança da Geografia), com algumas pistas que comprovam que a virtualidade não acabou com o espaço físico, ao contrário, demonstra que existe hoje uma interconexão entre eles, para facilitar encontrar dados, "costurando os mundos, supostamente separados entre virtual e físico".
Inclusive, é sempre bom lembrar que se a Internet é vista como uma "nuvem", um mundo digital paralelo e onipresente, seus usuários vivem em um mundo físico, onde as limitações e fronteiras geográficas são constantes e inevitáveis.
Várias tecnologias são destacadas no artigo para comprovar as costuras feitas até agora. Tecnologias de geolocalização, que mostram a localização física do usuário, já são comuns em celulares, tablets e outros dispositivos móveis. São várias as empresas de serviços de geolocalização: Quova, Digital Envoy, NetGeo, InfoSplit através dos Protocolos de Internet (IP em inglês).
O uso dessa tecnologia atinge desde a localização de pessoas conectadas até fornecedores de comércio eletrônico e empresas de leilões que querem dificultar a venda de produtos ilegais nos países. É o caso dos cassinos que são proibidos em alguns países. Com o uso da tecnologia georeferencial, sites podem impedir o jogo online nesses países. O mundo artístico não fica de fora, pois por meio da geolocalização é possível fazer a gestão dos direitos de transmissão de músicas e vídeos.
Quer encontrar um local com Wi-Fi disponível? Sim, é possível. Sites como 80211hotspots.com atuam como diretórios globais de Wi-Fi. De maneira simples, digitando o nome de uma rua ou o CEP, aparece uma listagem com os pontos Wi-i abertos. Em algumas cidades norte-americanas, os entusiastas Wi-Fi produziram mapas mostrando a localização de hotspots.
Uma experiência física foi feita pelo designer inglês Matt Jones: Ele pintou nas calçadas da cidade vários símbolos que indicam se o sinal de Wi-Fi é forte, fraco e se há sinal. A proposta era mostrar mundos paralelos entre a internet e o físico.
Outra forma de combinar a geografia do virtual com a do concreto são as propostas e programas da MetaCarta, empresa estadunidense que desenvolveu o software geo-parser, que localiza dados e referências geográficas - como países, cidades, estados, marcos e monumentos famosos - em documentos, sendo buscados em um dicionário contendo 10 milhões de verbetes. Por exemplo, se a palavra Sorocaba aparece perto de Votorantim, é bem provável que o documento seja das imediações dessas cidades, o passo seguinte é aplicar um "geomarcador". A empresa informa um dado interessante: cerca de 80% dos documentos de texto contêm alguma referência geográfica.
Uma utilidade urbana interessante são os grafites digitais sem fio. Será que aquele restaurante tem boa comida? A resposta pode estar no grafite digital deixado por clientes que já comeram neste restaurante. Tudo o que você precisa fazer é acessar todos esses grafites "deixados virtualmente no entorno do restaurante e que estão flutuando ao redor", o que pode ser feito a partir do seu celular.O pesquisador californiano, caminhando pela cidade, deparou com uma planta da qual ele queria mais detalhes e gostaria que nela tivesse um Post-it digital (aqueles lembretes colantes e coloridos encontrados nas papelarias) com as informações sobre a planta, isso é conhecido como WorldBoard. Afirma o pesquisador: "A WorldBoard é, em certo sentido, maior do que a world wide web, porque permite ao ciberespaço (o mundo digital dos bits) sobrepor e registrar no espaço real (o mundo físico de átomos).".
Em 2012, Robert D. Kaplan, um jornalista estadunidense e correspondente estrangeiro, lançou o livro The Revenge of Geography: What the Map Tells Us About Coming Conflicts and the Battle Against Fate, que podemos traduzir como "A Vingança de Geografia: O que o mapa nos diz sobre a vinda dos conflitos e a batalha contra o destino", no qual, através de relatos e teorias tradicionais da geografia, baseadas nos climas e relevos e nos geógrafos que debateram a geopolítica, o autor demonstra a importância dos fatores físicos na formação dos diversos povos e os conflitos vividos, e como a geografia permanece sendo um poderoso pilar dos eventos mundiais.
A proposta de analisar os conflitos a partir de fatores climáticos e físicos parece uma provocação, mas o autor deixa claro que não pretende afirmar que esses fatores determinam os povos, mas que contribuem para uma ou outra iniciativa. Mas deixemos este para uma segunda revanche.
Paulo Celso da Silva é professor e coordenador do Programa de Mestrado em Comunicação e Cultura da Uniso (paulo.silva@prof.uniso.br)
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