Fernando da Rocha Peres é especialista na história da antiga Sé da Bahia
Verena Paranhos
Em 7 de agosto, Salvador lembra um dos episódios que marcaram seu patrimônio arquitetônico, a demolição da Igreja da Sé em 1933. Fernando da Rocha Peres é um dos principais estudiosos deste acontecimento histórico, ápice do processo de reforma urbanística iniciado por J.J. Seabra em 1912. Juntamente com os professores Antonio Heliodoro Sampaio e Pedro de Almeida Vasconcelos, Peres é um dos integrantes da mesa redonda Oitenta anos da demolição da Igreja da Sé, que acontece nesta quinta-feira, às 17 horas, no Museu de Arte da Bahia (Corredor da Vitória). Nesta entrevista, o historiador e poeta fala sobre o planejamento urbano da cidade e o processo histórico que culminou na demolição da igreja.
A TARDE - Qual a importância de relembrar, 80 anos depois, a demolição da Igreja da Sé?
Fernando da Rocha Peres - É acender um alerta contra aqueles que projetam sem um planejamento extenso. No caso de Salvador, fizeram esta reforma urbana e pararam no Farol da Barra. Por que não estenderam para as áreas livres de edificações que existiam, como Pituba, Amaralina, Rio Vermelho? A tendência de modernização da cidade que deveria ter sido efetuada para o lado de lá, não foi. Quando foi, já tinham destruído o que era velho. O que é novo hoje é este horror que está aí sem planejamento.
AT - Como o senhor vê as políticas atuais de planejamento urbano na cidade?
Peres - Sinto a falta de um planejamento e de um continuísmo naquilo que já foi planejado. Planejou-se muito, executou-se muita coisa, mas não houve continuidade, nem novo planejamento para outras situações que se impõem. Modernizar não é só transformar para dizer que a cidade está mais limpa, mais renovada, essa renovação implicaria em pensar no conforto das pessoas enquanto vivem conjuntamente num local.
ATarde - O senhor vem acompanhando a nova proposta de requalificação da orla de Salvador?
Peres - Confesso que desconheço, mas se ela visa somente à modernização no sentido de embelezamento e alargamento de ruas, sem infra-estrutura, é uma proposta igual àquela perpetrada no tempo de Seabra. O que é preciso é construir novas ruas e bairros com saneamento urbano. Quando pensam em alargar a rua é para que o automóvel, o bonde, o transporte, seja ele qual for, circule melhor. Não pensam nas pessoas.
AT - O que mudou na mentalidade da classe dirigente dos anos 1970, época que o senhor elaborou a tese que dá base ao livro Memória da Sé, para cá?
Peres - Acho que mudou muito pouco, porque a mentalidade hoje ainda se tornou mais afeita a um comportamento extremamente imediatista, aproveitador das situações, sem cogitar aquele que habita a cidade. Os governantes, de um modo geral, não pensam nos seus eleitores, pensam naquilo que podem fazer sem o necessário planejamento. Se há uma continuidade é neste sentido. Fazer por fazer. O sujeito inventa que chegou o momento de construir a ponte para Itaparica, então vamos construir a ponte. Já estão demonstrando que essa ponte não vai solucionar, ela vai complicar ainda mais.
AT - Quais interesses foram articulados à época e culminaram na demolição da Igreja da Sé?Peres - O que marca primeiro esta questão é o interesse do poder econômico, representado aqui pela Light, pela introdução do bonde no sistema viário e urbano da cidade, que pressionou muito a autoridade eclesiástica e o poder público para decidir a questão. O poder econômico não tinha força legiferante nem executiva. Só o poder público representado pela prefeitura (ex-intendência municipal) e pelo governo do estado poderiam decidir a questão, que começou no governo de J. J. Seabra e terminou na gestão de Juracy Magalhães, um interventor militar na Bahia. 1933 é uma data politicamente muito significativa por causa da ditadura Vargas, um sistema político de exceção. Por outro lado, só o poder eclesiástico poderia concordar com a demolição, representado pelo então bispo Dom Augusto Alves da Silva. Este apoio foi lastreado em muitas gratificações. 300 contos de réis foram pagos à arquidiocese para que ela consentisse. A sociedade era muito materialista.
AT - A atuação dos jornais foi importante no apoio da população à derrubada da igreja?
Peres - A mídia, desde 1912 estribada no ideário de J.J. Seabra, pregou de forma constante a reforma urbana da cidade e a demolição da Sé. A TARDE foi fundado em 1912, haviam outros jornais, todos fazendo um coro pró-demolição. Evidentemente não deixavam de noticiar também os contra a demolição. Mas o invólucro da pílula da demolição era mais atrativo e a ideologia do progresso foi pregada através da imprensa e entranhou-se na mentalidade da população, que pendeu para o lado mais favorável, tanto que não houve uma manifestação popular como está havendo agora. Hoje a mídia tradicional está perdendo lugar para a mídia internética, que está levando esse povo pra rua.
AT - Que outros monumentos foram destruídos para a construção da Avenida 7 de Setembro?
Peres - A reforma urbana foi iniciada em 1912 com um espírito demolidor, que destruiu monumentos religiosos, como a Igreja da Ajuda, a Igreja de São Pedro, a Igreja do Rosário e as Mercês. São Bento não foi demolido por inteiro porque o abade resistiu conjuntamente com a comunidade beneditina e os fiéis da área. Desde o início do projeto a Sé já estava arrolada dentre aqueles monumentos que iriam ser demolidos.
AT - O projeto de reurbanização poderia ter sido feito de forma a preservar a Sé?
Peres - No meu livro você pode ver que poderia ter sido feito de outra forma, pelo menos no caso da Sé. Já que tudo tinha sido demolido, poderia-se preservar a Sé como símbolo de uma identidade religiosa, cultural. Foi a última etapa, porque eles não conseguiram demolir São Bento, nem dar continuidade à Avenida 7 de Setembro, que deveria seguir pelo Pelourinho e chegar até a Ladeira da Água Brusca. Assim, seria necessária a demolição de grande parte da arquitetura civil e eclesiástica existente na área do Pelourinho.
História da igreja da Sé
A Igreja da Sé começou a ser construída de pedra e cal em 1552, de frente para a Baía de Todos-os-Santos, onde hoje está o monumento da Cruz Caída, de Mário Cravo Jr. A demolição da igreja, em 7 de agosto de 1933, fez parte da reforma urbanística iniciada em 1912, no governo de José Joaquim Seabra. Sua demolição foi justificada como imprescindível para a introdução do bonde de tração no sistema viário urbano.
O projeto, inspirado ideologicamente na modernização de Paris e em ideais de progresso, também previa a criação da Avenida 7 de Setembro, que ligaria o Distrito da Sé ao Farol da Barra, regiões na época residenciais. Outros monumentos religiosos foram destruídos para a implantação da avenida, tendo o Mosteiro de São Bento sido preservado por conta de protestos da comunidade beneditina.
Fonte:atarde.uol.com.br
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